Nas asas do Beija-flor
- relyjae
- 4 de abr. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 30 de mai. de 2024
O sofrimento humano só é intolerável quando ninguém cuida
Cicely Saunders¹

É impressionante como a tecnologia avança em ritmo alucinante em todas as áreas. O que levava séculos, hoje leva segundos. O tempo se esvai a cada clique. Desde que se inventou a roda, as coisas não pararam mais. A capacidade criativa nos tirou das cavernas. Seria impossível enumerar tudo o que já foi inventado.

Parece que a maior obsessão do homem é, justamente, superar a si próprio, buscar a imortalidade. Enquanto não a consegue, inventa substitutos, seja através da ciência ou tecnologia. Assim surgiu a robótica, a inteligência artificial, as clonagens. Os avanços da medicina trouxeram os transplantes de órgãos, novos fármacos que tentam curar as doenças e prolongar a vida, terapias alvo, células tronco, ufa.
E volta e meia surge um novo vírus para bagunçar tudo e lembrar que não estamos com esta bola toda. Mas disto não aguentamos mais falar, vamos a outro ponto.

O mais importante, muitas vezes é esquecido, ou pior, não respeitado: a sensibilidade e as emoções de cada um. Somos únicos, mas somos mais um entre tantos. Somos fortes na saúde e frágeis na doença. Somos humanos, não robôs.
Vivi isso no meu trabalho de doze anos na oncologia pediátrica, onde aprendi muito sobre vida e morte. Não é tarefa fácil levar alegria em meio a um momento triste, de hospitalização por doença grave, mas faz toda a diferença. E fazia parte do meu fazer cotidiano. Temos que aprender a lidar com as nossas emoções e as do outro, a ter empatia para poder levar conforto. As crianças são sábias e aprendemos muito com elas. Teria vários relatos para compartilhar. Lembro de um menininho de 4 anos, com câncer de rim avançado, adorava as atividades, se agarrava a elas como querendo se agarrar à vida. Um dia, no meio da brincadeira que ele mais gostava, botou as pequenas mãos na barriga e, com aquela vozinha doce, me disse: – Alguma ‘coija’ está acontecendo comigo. Ele sabia que estava diferente. Foi duro ouvir aquilo, mas, naquele momento o que ele queria era ser único e não apenas mais um, entre tantos. E foi o que tentei fazer com carinho e cuidado, através dos jogos e brincadeiras para diminuir o seu desconforto.

Em outra ocasião, trabalhando com uma menina de nove anos, cuja atividade preferida era o desenho, ela me fez um pedido:
– ‘Profe’, me ensina a desenhar um beija-flor? E assim o fizemos, ela criou um lindo beija-flor naquela tarde, bem colorido, com as asas abertas. Colocamos no vidro da janela ao lado da cama e ficou translúcido, com a luz batendo por trás. Ela ficou radiante e satisfeita com aquele trabalho.
No dia seguinte, quando cheguei pra trabalhar, soube que ela tinha partido... Nas asas do beija-flor.²
¹Médica, enfermeira, assistente social, fundadora dos hospices e cuidados paliativos.
²No dicionário de símbolos, o beija-flor, também conhecido como colibri, é o mensageiro dos deuses e simboliza o renascimento, a delicadeza e a cura.
Querida amiga viajamos com seus relatos emocionantes, siga sempre nos trazendo mais de sua vivência e sabedoria.❤️
Lindo e delicado trabalho que fizestes com as nossas crianças. Proporcionar momentos de felicidade de forma simples e dedicada, não é para qualquer um. Cuidastes disso com maestria! Sugiro que sigas com elas nos teus emocionantes contos. São lembranças que nos ensinam a cuidar melhor!
Sabes explorar muito bem a união do dom da escrita com as tuas experiências. Isso resulta em textos que emocionam o leitor. Mais uma vez, parabéns!!!