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Meu pai

  • relyjae
  • 8 de ago. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 30 de abr. de 2022

“Plantar uma árvore não é uma difícil tarefa; aduba-la e cuida-la com amor e carinho, para que cresça sem imperfeições, é uma empreitada gigantesca”. (Rubem Rodrigues)

 

A crônica desta semana, véspera do Dia dos Pais, será a reedição com pequenos ajustes de um texto que escrevi em 2003, como depoimento na inauguração do Centro Cultural Professor Rubem Rodrigues, localizado no complexo do Instituto de Cardiologia / Fundação Universitária de Cardiologia. Presto assim a minha homenagem ao meu pai.

 

Meu pai, Rubem Rodrigues, cardiologista e professor universitário, além de homem público, inovador e idealista foi também um grande ser humano. Sabia aliar técnica e humanismo, com respeito, sensibilidade e dedicação para com todos os pacientes. Apaixonado pela sua profissão, a medicina, para a qual dedicou a maior parte de sua vida, cuidando do coração de todos e culminando com a fundação do Instituto de Cardiologia em 1969. Era um médico de verdade, um homem bom. Trabalhou até o dia de sua morte no mesmo hospital que ajudou a criar.


Como filha, posso afirmar que foi um pai amoroso e companheiro na minha infância, que mesmo em meio ao excesso de estudo e trabalho arrumava tempo para brincar, ensinar e dar carinho. Acredito que meu gosto pela escrita tenha começado pelo exemplo, pois desde bem pequena, eu ficava com ele até tarde no seu gabinete na nossa casa. Enquanto ele estudava e escrevia na sua escrivaninha, eu desenhava numa mesinha de centro ao seu lado. Às vezes eu adormecia ali sentada e ele me levava no colo para minha cama. Tenho esses momentos vivos na memória.

Na adolescência foi um pai zeloso e preocupado, mas firme, o que às vezes causava certa turbulência comum a esta fase da juventude. Lembro que na época, nos idos dos anos 70, ele fazia pesquisas e escrevia artigos sobre um novo medicamento: o “Betabloqueador”. Eu ouvia muito ele falar sobre este remédio nos congressos. Numa de nossas discussões acaloradas quando ele queria me proibir de sair ou de fazer algo, eu acabei chamando-o de meu “betabloqueador”. Na hora ele ficou desconcertado, mas com o passar do tempo ríamos disso. Hoje agradeço por sua firmeza e tenho certeza que meus dois irmãos também. Era um homem de caráter forte e correto e nos dizia sempre que a melhor herança era o caráter e a boa educação.

Na idade adulta, a maturidade nos trouxe equilíbrio à relação, onde amor, amizade e cumplicidade se mesclavam. Não que não houvesse conflitos, mas eram mediados por diálogo franco mesmo que às vezes duro. Nossa relação sempre foi muito intensa, permeada com altos e baixos, mas de imenso afeto. Muito mais poderia ser dito, mas vou falar de coisas que tenham relação com a construção do Instituto de Cardiologia, como me foi solicitado.

Quando foi inaugurado o Instituto eu ainda não havia completado 10 anos, mas pude testemunhar muitas passagens e vivenciar emoções durante seus três anos de construção. Meu pai no auge de seus 45 anos estava tornando seu sonho uma realidade para o povo gaúcho. Meus dois irmãos tinham na época 15 e 16 anos. Nossa mãe, Cely, era uma jovem e bonita senhora de 41 anos e de muita fibra. Era ela quem segurava as pontas em casa para dar tranqüilidade e segurança para ele seguir em frente no seu ideal, sempre o incentivando e apoiando nos momentos mais difíceis. Nossa vida seguia paralela a tudo isto e tivemos que aprender a abdicar de certas coisas, pois nosso pai mergulhou de corpo e alma nesta causa, nós tivemos que dividi-lo e entender suas ausências. Hoje vejo que não foi tarefa fácil para nenhum de nós. Foi assim que como família, demos nossa contribuição.

Nosso passeio dominical por vezes era visitar o canteiro de obras, eventualmente até almoçávamos por lá. Eu gostava de acompanha-lo quando ia vistoriar a obra, além de ser uma maneira de estar perto dele, para uma criança aquele ambiente era mágico. Eu podia sentir como aquilo tudo era importante para ele, só pelo jeito dele falar com as pessoas. Pelo olhar vibrante e descortinador. E eu sonhava junto... Lembro quando eu e minha mãe fomos com ele pela primeira vez ver o prédio onde seria o instituto: um prédio simples, inacabado, as paredes ainda em cimento, alguns espaços com ladrilhos vermelhos no chão e um cheiro forte de creolina que me ardeu nas narinas: ali ele andava e nos descrevia com riqueza de detalhes onde seria o ambulatório, a UTI, o centro cirúrgico... Até podíamos visualizar tudo aquilo. Depois de três anos tudo estava no seu lugar.


Às vezes a construção era interrompida por falta de verbas, mas ele não esmorecia. Emprestava seu carro, na época um Ford Corcel, para carregar material e até mesmo dinheiro do próprio bolso ele doava. E partia atrás de recursos. Nessa empreitada, além do apoio e compreensão da família, ele teve sorte de encontrar as pessoas certas: uma grande parceria da equipe de médicos que o acompanharam e de gestores que nele confiaram. Prefiro não citar nomes para não deixar ninguém de fora. Como ele mesmo dizia nada se faz sozinho: qualquer obra é o resultado de um contexto no qual muitas pessoas contribuem de uma forma ou de outra.

E assim como ele havia prometido*, antes de o homem pisar na lua, o Instituto de Cardiologia foi inaugurado no dia do seu aniversário de 45 anos: 25 de Abril de 1969.

Saudades meu pai, e obrigado por tudo!


* “[...] Por incrível e histórica coincidência, os fatos que estão preparando o pouso do homem na lua são simultâneos com aqueles que são preparatórios para o novo Instituto de Cardiologia. Quando comunico o fato ao meu professor adjunto e Chefe de Clínica, Carlos Napoleão Salles de Barros, ele, enfaticamente me desafia: - Rubem, tu estás estratosférico. Eu aposto que é mais fácil o homem pousar na lua do que conseguires construir um Instituto de Cardiologia em Porto Alegre; ao que lhe respondi: - Pois aceito a aposta e garanto que vamos inaugurá-lo no dia 25 de Abril de 1969, dia do meu aniversário, por que o pouso na lua está programado para julho daquele ano. Essa é a razão de o Instituto de Cardiologia ter sido inaugurado no dia do meu aniversário e em 1969.” (Rubem Rodrigues, no livro “Do outro lado do Riacho”, 2001, p. 102).

3 Comments


malicestrella
malicestrella
Aug 11, 2020

Precioso depoimento recheado de amor e de admiração! Detalhes relatados com genuíno talento! Parabéns! Adorei ler

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LUCIANE INES GRUNDLER RAMOS
LUCIANE INES GRUNDLER RAMOS
Aug 09, 2020

Emocionante história. Por sorte fui aluna do professor Rubens e pude desfrutar deste sonho que se tornou realidade, o Instituto de Cardiologia. E mais sorte ainda foi conhecer sua filha, que manteve viva estas memórias como só ela sabe fazê-lo, com muito amor, carinho e dedicação! Parabéns querida amiga!

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zenidanelon
Aug 08, 2020

Lindas memórias do teu amado pai. Parabéns!

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